Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



quinta-feira, 31 de março de 2011

ALGUÉM ESTÁ FALANDO DE MIM E DE VOCÊ

(fotografia, por SCG)

Lua


A Lua

tão minha

provoca-me.

Quer me dar nesta noite

a solidão

tão sua

(poema extraído do livro FOGO-FÁTUO, de Franck Santos)



                                                                    Um coração
                                        
                                    (por Franck Santos, em FOGO-FÁTUO)

Dei um tiro no meu coração. Matei-o dentro desta noite chuvosa, quase madrugada, após ter me encharcado de álcool, saudade, lágrima e amor não correspondido. Agora meu coração jaz no ladrilho da cozinha, entre panelas, lixo, garrafas, copos e talheres; ele, ali exposto, vermelho, inútil e inerte. Matei-o com um estampido suave, coloquei silenciador, ele nem gritou, pego de surpresa, mas o expurguei de mim, esse coração, quando, quase louco, bêbado de álcool e saudade e tristeza e lágrima e solidão, lembrei-me desta arma na gaveta do criado-mudo, para momentos como este, matar corações sofredores. Claro, antes analisei as facas e adagas e punhais e canivetes; desinfetei-os, fiz tentativas vãs em certas noites, certos dias, mas esse coração, bandido, pressentia, me enganava com mimos, momentos, poemas, promessas, dias quase felizes.



Não vou chorar a morte do meu coração, quero é enterrá-lo logo, de manhã bem cedinho em alguma curva, algum jardim, ou melhor, darei meu coração ao primeiro que aparecer, que o queira, para usar e abusar, porque esse coração está morto, sem emoções, ateu. Tenho um coração que é uma falésia, agora. Um coração oco. Abissal. Uma rocha.
                                                          
                         

LANÇAMENTO DO LIVRO FOGO-FÁTUO, de Franck Santos
Local: PH Center (Espaço de Alimentação)
Data: 2 de abril de 2011
Horário: 9 às 12h
Endereço: Av. Jerônimo de Albuquerque, 300 - Angelim 
São Luís - MA - Brasil

Participação musical de Déborah Arruda & Victor Hugo

 clica aqui para conhecer o escritor



Nota: mesma publicação, na mesma data, em O Medo De Suzana.



terça-feira, 22 de março de 2011

OPS!


(meu ilustrador e eu, SCG)

FICAREI UNS DIAS SEM POSTAR, porque o tempo que aqui dedico será ofertado aos Blogs dos amigos, de vocês.

domingo, 20 de março de 2011

SOU TEU HOMEM


Um texto feito em parceria, Luana Santana & Suzana Guimarães


"Ah, minha menina o que iriei te dizer?


Quanto tu choras em meus ombros, aflita de outro homem...


e eu aqui meu amor, aflito de você.


Minha mulher, se um dia fores "minha" te chamarei de "minha" mulher,


Por vezes, lhe chamo pelo nome, quando estou inquieto, pois eu te quero!


Noutras, lhe chamo de menina, quando você sorri escondido atrás de uma fruta


Em pleno carnaval, numa feira de sábado de manhã... E nós dois perdidos pela cidade e eu perdido em meus delírios ao beber teu riso.


Nas madrugadas, enquanto você dorme, te vejo sonhar, te guio pela noite, quero te desvendar...


Quero saber o sabor da tua boca e entre tuas pernas dançar.


Dar-te-ia menina um sonho bom, e para a mulher que habita em você, nas noites de calor e frio, um vestido, rasgaria sim o seu vestido, raparia sim você em mim... num último suspiro apertado em seu pescoço.


Mas você dorme... alço a alça do teu vestido, aflito olho e a ela lanço um único olhar, pois eu a queria nua, te queria crua. E em prelúdio surdo e mudo, miro tua boca ligeiramente aberta, penso em alcançá-la.


Mas me seguro, guardo o homem em mim que tanto te quer mulher - minha mulher! - te deixo dormindo, sonhando... Vou acordado chorando."
 
                                          
Clica aqui para você conhecer a Luana.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A GANGORRA E O PÃO

fotografia, por SCG



Ele na gangorra

ora vem, ora vai

Ele na gangorra

grita

Eu a amo

Eu a amo

mas a gangorra

ora vem, ora vai



Ela mastigava um pão,

sentada, observava-o

Ela pensava, não me abandone

Estenda-me tua mão

Não me deixe à deriva de mim, à minha própria sorte

Dê-me do teu alimento

Estenda-o à minha boca

Dê-me um norte.



Ela sentia-se indo indo

talvez já tivesse ido

para onde não há gangorras

para o núcleo, onde o pão se dissolve



Ele na gangorra gritava

Eu a amo

Eu a amo

e a gangorra ia e vinha, ia e vinha,

doce balanço, doce equilíbrio

Ela, nenhum, sentada na pedra

Mastigava o pão


vento macio ressoava



Ela o ama

Ela o ama



para lá, muito longe,

caminho triste

rota sem pão

onde o início era só fim
 
 
(por Suzana Guimarães)

segunda-feira, 14 de março de 2011

INTRANSITIVO

(arquivo pessoal - SCG)


Querida, o que me dói não é o medo. Medo a gente trata ou dribla.


O que me machuca, o que me dói é a perda, antiga ferida. Você não a vê em mim, mas eu a carrego ou ela a mim. Nem sei bem quando isso iniciou, só sei que comunga comigo, dorme comigo e até comigo já gozou. Depois, estendeu-se longa e morna num dos cantos dos olhos, silenciosa. Eu sei que é perda porque sinto o lugar outrora ocupado agora vazio, mas não me pergunte nada sobre, pois não sei o que perdi, quem perdi, quando perdi, porque perdi. Eu só sei que perdi em algum momento e hoje carrego isso feito pele queimada, não posso abafar, porque piora, não posso tratar, porque dói mais, não posso relembrar porque nem sei bem como foi, só sei que vivo a vida defendendo a ferida, para que ninguém, nada, nada possa nela tocar. Evito dor em cima de dor.
 
                                      por Suzana Guimarães

terça-feira, 8 de março de 2011

ELA


ilustração, por R. Meneghini


Eu a vejo sempre. Perambula pela casa de calcinha e camiseta. Às vezes, chega à janela, espia, puxa as cortinas e some. Às vezes, vejo-a entrando no seu carro, parado em frente ao jardim. Às vezes, não a vejo, por temporadas.

Quando não está de calcinha e camiseta, fantasia-se. Dificilmente se repete. Às vezes, pouca roupa, tecidos ásperos, duros. Noutras, muita roupa, porém, sobrepostas malhas frias, gostosas, deslizantes feito o andar dela.

Hoje, eu a reparei melhor. Ela está diferente, as fantasias escorrem pelos braços, despenduram-se, pelas pernas, alcançando o chão. Ela não se importa, e anda, num passo também diferente, ora pesado, ora leve, em descompasso. Ela empilha malas na varanda e vez ou outra puxa uma para dentro, ou duas pra fora, arrastando-as pelas rodinhas. Amontoam-se nos cantos as fantasias que se desprendem do corpo. Por cima das mesas, adornos, brilhantes, foscos, braceletes.

Às vezes, ela esquece aquilo tudo, as malas, por ordem de tamanho, os costumes, e estira-se no sofá da sala ou se encolhe, conforme o calor do dia na alma, ou o frio da falta de cobertas. Ela ouve antiga música, som recente porém, e isso a transporta para aquele canto cinza onde um piano equilibra imagens.

Às vezes, ela veste as fantasias que de si saíram, uma por cima da outra. Ao sair pela rua, atrás do seu carro, em frente ao jardim, vê que as perdeu no caminho, volta, as recolhe, joga-as no banco traseiro do carro, bate a porta e sai dirigindo, ouvindo música, lembrando-se do piano que a espera. Ela está ficando nua.

Ela se modifica dia após dia. Às vezes, as paredes da casa dela estão brancas, às vezes, vermelhas, predomina o palha. Ela sente um óleo a escorrer pela pele, isso faz com que ninguém mais a alcance e ela novamente recorda a casa do piano de músicas antigas. Nesses dias, ela não ouve música nova, ela aspira um odor antigo que lhe sobe pela boca, cheiro de merendeira da escola infantil, cheiro de bolachas, Q-Suco, leite achocolatado. Um certo perfume francês. Cheiro de vela acesa, flores em jarros. Ela consegue sentir os passos incertos, a loucura do bater de chaves em trêmulas mãos. E ela vai se modificando, dia após dia. Ela vai largando cada vez mais as fantasias, principalmente as mais pesadas, próprias para inverno rigoroso. Ela se afasta sem pedir licença, ela sequer faz barulho, gargalham atrás dela, saudades doídas, guardadas, camufladas. E ela então revê as malas, que ainda estão vazias.

Ela anda pela casa de calcinha e camiseta e sabe que, uma das malas, a menor delas, porém a mais compacta, irá vazia, feito ela. Nua, levará a mala, nua, alcançará uma vila, um sítio, uma praia, nua, fechará todas as janelas, e, nem eu, nem eu poderei vê-la.

                                                por Suzana Guimarães



Nota: mesma publicação, na mesma data, em O Medo De Suzana.



segunda-feira, 7 de março de 2011

EM TEUS ÂNGULOS



fotografia, por SCG

Por cima de ti, passeio, troto sem dó, estapeio teus lírios, teus idílios. Por cima de ti, recrio o inferno e por ti colho os gerânios, teu androceu. Por cima de ti, invento um girassol, penso em dominó, que me lembra o ébano que me lembra você, que é meu. Sou o branco dos teus olhos negros, sou a parte alva da tua carne dura, dos teus músculos tesos.


Ao redor de ti, escalo montanhas, expilo feito vulcão, sou bebida forte, sou chapa fumegando, o estouro do champanhe. Ao redor de ti, sou suor de guerreiro, sou olhar de lince, voo do falcão. Sou o som que o tambor faz, o marchar da tropa muda, o silêncio que antevém o bote. Sou o próprio bote, sou a naja encarando a outra.

Ao me afastar de ti, sou noites insones de um beduíno perdido em noite sem Lua, sou folha boiando à deriva, sou água de bica, sou moça passando em pinguela.

Por baixo de ti, sou mulher.

(por Suzana Guimarães)
                                                        

sexta-feira, 4 de março de 2011

ELA, O ANÚNCIO DA MINHA MORTE E EU


ilustração, R.Meneghini

                                                                        Suzana C. Guimarães
                                                 
                                                 (# 3 da saga)

Era inverno. Era noite ainda criança. As cadeiras já estavam nas calçadas. Luz de lampião iluminava suficientemente.

Dedos aflitos discavam no antigo e preto telefone. As tias um pouco longe, as mesmas de hoje, aguardavam. Não se ouvia respiração, apenas transpiro de angústia.

Dedos aflitos procuravam pela cidade das cadeiras nas calçadas. A vizinha atendeu, mandou chamar. Não encontrou. Dedos aflitos continuaram discando, o disco preto tinha a tarefa lenta de girar do início ao fim, dedo a esperar, novamente outro número, quanto maior o número, pior, o giro demorava a voltar. Unhas trêmulas quebrando-se em pontinhas no movimento.

Após horas, encontraram a minha mãe. Queriam saber, sim, eu havia morrido. "A menina morreu. Já sabemos. Mas, como? Como foi o acidente? Sabemos que não morreu mais ninguém, só ela". A minha mãe respondia, sem entender, "ela está viva, não morreu. Ela não está aqui, agora, ao meu lado, mas está viva".

Eu vinha pela avenida, noite fria, poncho vermelho que dedos no telefone preto haviam tricotado. Touca também vermelha na cabeça. Passaram por mim, não me lembro mais, comentaram que a caçula havia morrido mas que não era aquela que ali ia, pela margem do rio. Caudaloso rio escuro. As árvores resistentes na beira faziam barulho de chuva. Só barulho, não chovia.

Ela estava na porta da casa da vizinha, em frente ao rio, sentada numa cadeira. Atravessei, passei por ela. Perguntei pela minha mãe. Ela disse "a filha dela morreu, a caçula". Eu respondi que não. Eu vivia. Ela insistiu, "a menina morreu". A boca desenhada igual, o nariz impassível, sobrancelhas inertes, olhos iguais ao dia anterior, à manhã que passou... "Ela morreu. A vó mandou avisar".

Eu ri. Tirei a touca. Perguntei se não me reconhecia. Eu vivia. Ela me olhou, acredito que assim a incomodei.

Parece que mais um riso ecoou, lá de longe, da beira do rio. Deveria ser ela, aquela velha senhora de veste negra, mãos no bolso. Jocosa, travestia-se de nova.



Abaixo, os endereços das sagas # 1 e # 2. Basta clicar em cima.



quarta-feira, 2 de março de 2011

"EU QUERO O SONHO, EU QUERO O PORTO, QUERO O REINO, O REINO DE OVIDAH"

arquivo pessoal - SCG

Na minha família, sou aquela pessoa a quem todos chegam perguntando qual a melhor roupa para se ir à festa, ao primeiro dia de trabalho, a um evento importante ou não. Acredito que é porque eles gostam do meus gostos e por isso questionam-me sobre o cabelo, maquiagem, bolsa de mão, gravata, gel ou não? Mas, sei também e eles afirmam satisfeitos que o principal motivo de quererem saber a minha opinião é a minha absoluta franqueza. Não chego ao ponto de magoar, mas transparece em mim a insatisfação, a dúvida, o desagrado.

Franck clica aqui é meu amigo e pediu que eu fizesse a apresentação do livro dele. Eu lhes confesso, eu faria a apresentação, após ler o material, gostando ou não, porque ele é meu amigo. Mas, ficaria só nisso, não passaria do preâmbulo ofertado. Minha contribuição seria um trabalho, feito com esforço, mas seria bem feito e nada mais.

Mas, Franck Santos, em FOGO-FÁTUO, não só escreveu contos, poemas, cartas, ele abriu seu coração, entregou-o para que nós o desfolhássemos e eu estou aqui para dizer a vocês que um livro é bom quando além de nos passar mensagens, nos inspira, nos enleva, nos faz rir ou chorar por ser cru, nu, e, isso, nos tempos atuais, a cara limpa, o coração exposto é pedra rara de se encontrar. Franck Santos nos ofertou a transitoriedade da vida, do fogo que nele ardeu, arde e ainda arderá, mesmo que por sob cinzas. 

"(...) Fogo quente vermelho fogo azul. Eis aí teu cerne, teu centro, lágrimas, um beijo ao vento, uma caminhada na praia, um copo de suco de maracujá, porta que bate, que fecha, janelas em ti tão ensolaradas, a força de teus quereres, das tuas crenças, teu sexo." (...)




"Quem é você, Franck Santos? Você é teu fogo, teu coração, teu senhor, teu dono. Você é o óbvio e a entrelinha, é ilha e um país, é palavra, é do norte, nordeste, tudo que em ti se encerra, é mato selvagem, é a brisa leve e fina, mas firme, onde tua alma adormece."

                                                    Suzana Guimarães

Endereço para contato: franck015@yahoo.com.br


Nota: mesma publicação, na mesma data, em O Medo De Suzana.