Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

HORA DE PARAR

By Lelena Terra Camargo


 
 
Faz-me mal a escrita? Não, as consequências dela.

Por isso, vou parar por algum tempo.

O Blog ficará aberto para quem gosta de me ler.


Suzana Guimarães, a Lily

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

DOCE HOMEM ( VII )

 
Ficarei. Para sempre estarei, bem próxima, a um passo para dentro ou em ti, para que você viva e siga, mas eu estarei. Longe, me perdi, me vi desinfeliz, esforcei-me, afastei tua imagem, para andar perdida e fraca.

Brada coisa louca em meu peito, clama por tua cor e teu olhar sem pudor, escancarados olhos a me engolir... brada cousa louca, sou bicho correndo solto pelos campos, a caminho de você. Ao teu lado, tenho sorte e riso solto, tenho gozo e norte.

Nunca mais partirei. Estarei dentro de ti, no mais escondido, onde ninguém alcança. Respiro melhor no toque do seu olhar, homem compacto, homem que me cura e me enleva, que me enxerga muito além do que eu possa saber, faz riso em minha boca, um convite mudo e secreto que eu ao redor de ti dance a mais eterna das melodias, a mais brava de todas as lutas, doce homem que ri do leão que habita em mim, eternidade é a tua casa.

Demorei tanto para encontrá-lo, centena de suspiros e tropeços, demorei o tempo dos enfermos, os minutos lentos dos que sabem que vão morrer.

Quando eu morrer, abraça teu próprio peito, pois, eu dentro dele, estarei.

Amém.


Por Suzana Guimarães



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

ESTRANHO CONHECIDO



O que tu sabes de mim?

Conheces o fundo dos meus olhos?
Onde pende alguma água
Ou onde tudo já secou?
O que tu entendes de mim?
Poderias, tu, desenhar-me com a precisão
Que só cabe aos amantes?
Conheces o tamanho dos meus seios?
Tocaste algum deles?
Viu minha pele eriçar-se?
O que tu viste?
Tu me vias em vestes frágeis
Num balanço lento
de saias ansiando pela transparência
Viste com rudeza e descrença
dizendo saber de mim...
Como tu sabes de mim se teus olhos em mim jamais repousaram
assim igual ao repouso da chuva molhando um secreto jardim...
um dia de chuva fina e calma em algum deserto...
No fundo, no fundo, todos os desertos são calados.

Por Suzana Guimarães

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

LEGADO


Um dos guardas entrelaçou seus dedos nos meus...

Ninguém me defendeu. Ninguém subiu ao púlpito e bradou minha inocência ou mera atenuação de todos os conturbados fatos da vida de uma mulher comum. Na saída da grande plateia, eram vários os homens que me acompanhavam, todos muito próximos de mim, fechando cerco à minha volta, seguravam-me pelos braços e empurravam-me à frente.

Ninguém me defendeu.

E isso se multiplicou cem vezes cem, na mais baixa das planícies, na mais alta das montanhas, na maior cidade do mundo e na mais tosca das vilas. Ninguém tocou um passo à frente no chão, nem um grito monossílabo, nem uma carta bem ou mal redigida, nem um amor para dizer "eternamente seu". Sempre algo, um fato ou alguém entre mim e o outro, sempre um dedo apontado em riste por eu parecer não entender.

Subi ao cadafalso como um barco à deriva... meu pé a um passo do novo, um lago onde eu quase nadei, um precipício onde eu quase mergulhei, quase, quase, quase... um espelho em que eu quase me vi.

Um dos guardas, somente um, entrelaçou seus dedos nos meus.


Por Suzana Guimarães.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

CARTA

(Fotografia gentilmente cedida por Thelma Ramalho)

Los Angeles, 5 de fevereiro de 2013.


Querida Lunna,

Fevereiro arde em febre e eu estou em pleno inverno. Você então me perguntaria: febre boa ou má? A febre da paixão ou a da dor, dos remédios, da farmácia? Nenhuma delas, Lunna, sinto febre do desterro. Desterrada está aquela velha mania de aguçar apetites. A poeta maior queria a fome, eu também já quis, agora eu quero a digestão da ilusão.

Lunna, como viver com os pés ligeiramente acima do chão se todo dia um dos pneus do carro fura? E todo dia você pensa em não se esquecer da agenda, e todo dia você esquece os mesmos números que nunca decora. O peixe no aquário morrerá de fome, e eu me questiono se passarei pendurando roupas no varal à 1 da manhã. Será para sempre? Antes, eu falava muito 'merda', agora, falo 'meleca', antes a palavra saía num xingo, a de hoje sai arrastando. A mais banal das minhas ações demora de quinze dias a um mês para ser finalizada.

O cavalo com viseira perde a beleza do caminho, mas trabalha melhor. Parece que se você colher rosas, o mundo paralizará. Será mesmo? Bom, isso é o ensinamento atual. É pra correr, Lunna, correr bastante. Dona Silvinha, toda tarde, sentada, vendo a mesma rua feia de 50 anos, na mesma cadeira, no mesmo lado da varanda é coisa obsoleta, isso não existe mais.

Só que outro dia, eu parei meu carro em frente a uma casa, desci dele, vi uma mulher aguando as plantas do jardim, depois, duas horas depois, voltei, e a vejo sentada olhando a rua, um pedaço de rua bem feia, calçada de cimento, espaço vazio de gente e carros e do outro lado um muro que nada diz. Lunna, minha inveja rasgou-me do peito aos pés...

Às vezes, eu abro um espaço, deixo alguém entrar, mas isso vem rareando, as bençãos de ouro se vão sem que eu possa controlar o fato. Houve um tempo em que tudo era magia da pouca idade, mas, nós, eu, pelo menos, preocupei-me com o controle do fluxo das coisas... e fiquei, à margem da vida, numa contagem absurda. Eu contava tudo: dinheiro, desejo, número de meias e amigos. E, agora, nada mais sei, perdi a contagem, perdi o absurdo... bons tempos aqueles, porque, hoje, não detenho mais nada, nem eu mesma, sequer meu paladar, meu gosto pela vida.


Cadê o gosto? Cadê o gozo, o ouro? Onde está a certeza de que estou caminhando na melhor avenida? Existiu essa certeza, ela existe? Acredito que sim, mesmo que ilusória. Hoje, tudo desgosto, amargo rosto que me olha pelo vão da janela, medroso da vida.



Por Suzana Guimarães

sábado, 2 de fevereiro de 2013

UM POEMA DEDICADO A J.

 
 
 
Banha-me nas águas brancas que moram ao redor de tuas duas ilhas, onde todo dia é verde claro e calmo. Onde nunca se faz escuridão e, quando você pisca, é só eclipse, mudança de Lua, mudança dos ventos do norte ou mesmo um cisco que brinca em teus olhos ávidos em contornar a pele lisa que você lava. Meu seio na concha da tua mão, teus dedos no contorno dos meus quadris. As águas me cobrem e descobrem, feito os lençóis que voam lá fora, secando nos varais, à espera de nós.
 
Desenha-me em teus olhos esta última e única vez, grava para sempre, memoriza o que reservei para ti, o que andou oculto, avesso ao mundo, desprezado e inútil, e que só você conhece agora na palma das tuas mãos. Larga-se de si mesmo e inspira-me em ti. Sinta que eu caibo na tua mão, desfaça o mal que me embaralhou...
 
Como devo lhe chamar?
 
Por Suzana Guimarães