Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



sábado, 27 de julho de 2013

SOBRE VONTADES



Detesto vontades moles. Não tenho paciência para quem não sabe o que quer. Passo o dia tomando café, ouvindo ela dizer que irá chover. Estou presa em mim, pedi ajuda, o guarda mostrou-me a chave... Disse sim. Acreditei. Caminhamos. Entendi errado, pensei que ele se perdia, mas, mais tarde, vi que ele se achava. Foi tanto o gosto da liberdade que abandonei-me na fuga. Larguei a guerreira, libertei enfim a prisioneira e pensei em chuva, em passos largos em pedras entalhadas pelo tempo. 

Detesto vontades moles. Ele sabia para onde ia, eu, não. Eu queria o caminho onde é chuva todo dia.

Detesto vontades moles. O guarda mudou de ideia, trancou-me novamente. 

Ele queria o caminho que eu entendia erroneamente perdido... Mas, por ser mole, sua vontade se esvaía...

Passo o dia pensando na chave. Tomo café. Ouço ela dizer vai chover.

Novamente reclusa, dispenso o guarda, a liberdade, aquele desejado caminho. Sonho com a posse da chave.

Detesto homens que se fazem de forte.


Por Suzana Guimarães

sábado, 20 de julho de 2013

AINDA SEI FAZER POEMA




Imagem gentilmente cedida por Daniela Ferreira

 

Eu nunca o amei, e, sim, apenas, o seu amor por mim. Carreguei esse amor como a um troféu. Falei dele para as pessoas e busquei nos momentos de vazio o abrigo da lembrança. Era sagrado e carnal, ondas subiam e desciam pelas minhas pernas, amoleciam meus braços, enfeitiçavam meu espírito. Brilhavam meus olhos. Você nunca foi lindo para mim, foi somente presença a ocupar o espaço à volta, lotado de minhas descrenças. Eu nunca o amei porque sou promessa de um rei e você não é rei. Sou um resgate mal sucedido. Sou um corpo procurado. Você jamais me buscou, jamais cobrou a lembrança e os anos se passaram e eu acostumei-me a  enganar-me. Você e todos os demais só souberam dizer-me não. 

Sou o não do homem despreparado para o combate do amor. Sou a escrava à venda, a fugitiva, a vendedora de orquídeas, sou uma trilha, a relva, o caminho que o espera. Sou a mulher que você nunca despiu. Sou o martelo no leilão, o momento em que ele desce à mesa, mas sou antes da batida, nunca fui confirmação. Solidão do imperador cansado, que não me encontra e que sabe o quão difícil é promessa não cumprida. Sou a coroa, o manto desperdiçado por não encontrado.
 
Eu nunca o amei, porém assim o consagrei, rei. Agora, o que me resta fazer? Mudei tanto... já nem uso mais aquele perfume, nem considero o seu nome o mais lindo de todos. Evitarei lembrar-me do galope do cavalo...
 
Seguirei. Quem não possui reinado, considera qualquer canto, um palácio.
 
 
Por Suzana Guimarães

quinta-feira, 18 de julho de 2013

REZA A LENDA

Rogo aos céus Tsuru...
rogo, rogo e eles são todos apenas déjà vu.
Roda a saia de papel crepom, roda o véu chanfrado que silencia meu amado.
Roda vida, roda, bola, roda a roda da fortuna.
Roga a moça desencantada, a imperatriz desarmada, todo sonho de amada...
Por Suzana Guimarães

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ensaios de um livro: Além de tudo (possível título)

 
 
(Direito autoral de Suzana Guimarães)
 

E eu, em minha moral, digo-lhe, porte-se, seja decente. Eu não vou lhe dizer 'eu não a amo', porque eu não sou de dizer, sou de ações. Gosto dos atos, dos coitos, das armas contrabandeadas. Gosto de comprar o uísque falso porque palavras nada me atraem, principalmente as dos rótulos. Não direi falta amor porque desconheço isso, amor, não sinto o que não pego. Eu sempre quis mesmo foi a conquista da terra mais cara, isso me excita, porque subo com prazer para lá deixar meu cocô, meu território marcado, aqui estive, gente otária!
 
Não confunda o que faço ou fiz com isso que você imagina: amor. 
 
Aprendi cedo a jogar a sujeira para debaixo do tapete, a vigiar possíveis passos, janelas e portas a denunciar. Sou mestre na arte de andar bem manso e, ninguém, de nada saber. Especialista em confundir paredes que ouvem.
 
Na falta do que lhe dizer, pois detesto palavras, jogarei em sua cara a minha moral. Descobri que lustrando-a com os troféus colecionados de todas as minhas defecações, ela se purifica, santifica-se.
 
Estou mudando de ramo, vender moral polida com cocô é mais rendoso e prazeroso, justifica-me mais.
 
 
Além de tudo, há a minha moral (Início)
 
Ensaios de um livro: Além de tudo (possível título)
 
 
Por Suzana Guimarães.


Nota: Preciso de alguém que me conheça muito e que possa me traduzir para o Inglês.
 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

INSUPORTÁVEL DOM DE SER POLLYANA

Picture by Suzana Guimarães

Lily surgiu porque já havia um Blog com o nome ´Contos de Suzana´. Daí, pensei na tradução de Suzana que é "pura como um lírio", e, lírio em Inglês é Lily...

Foi assim que começou o Blog ´O Medo de Suzana´ e ´Contos de Lily´, e, consequentemente, a falsa aparência de que tenho dupla personalidade. 
Forte aparência ou não, e pouco me importando, descobri que a Eleonora Duarte soube me ler por todas as entrelinhas... ela fez uma primorosa análise de mim, não sei bem se aos poucos, como se olhasse o mar, ou de uma vez só enquanto percorria as tortuosas ruas de Portugal. Isso foi em julho de 2012.

Leo, você acertou! A Suzana distingue-se da Lily. Descobri isso ao receber da minha mãe todos os meus textos escritos nos últimos anos, impressos.

Eu me deitei para ler. Comecei folheando o ' Medo´. Depois, li alguma coisa em ´Lily´, e, só aí, nesse momento, percebi a gritante diferença.

Respeito a Suzana, mas não gosto muito dela. Prefiro a Lily. Suzana é dócil, procura ajudar, compartilha, pode até perdoar. Lily não veio a este mundo para acomodar, veio para incomodar. Lily quebra os sonhos da Suzana, dá tapas, "espeta com agulhas finas na casa de brincar" - suas palavras, Eleonora. Lily é a Suzana nua, é a pessoa que nasceu do desassossego de saber que há quem veja, mas finge não ver. É fruto do cansaço, da preguiça de gente. Lily não é gente, é o espírito da Suzana que não mais suportou viver dentro de um corpo meio aprisionado, meio ignorado, meio Pollyana. Lily odeia essa menina, a Pollyana. Ela descobriu isso, outro dia, conversando com o Dario Banas. Ele disse que o livro deveria ser proibido. Ela disse que havia o ´Pollyana adolescente´, ele quase desfaleceu.

Lily não perdoa. Ponto. Lily não vê o lado bom em tudo, pois há uma certa lama que, após o toque, é irremovível. Lily incomoda, não sonha, tem ódio de quem se faz de difícil, dos fraudulentos e dos mesquinhos. É debochada e sabe rir do escorregão do outro que a fez triste. Ela é um riso gostoso e leve de vingança, certeza de que a vez de cada um, um dia, chega.

O papel, o palpável, que é o sonho de consumo dela, revelou-me. Ela sou eu, hoje, irremediável remédio.


Por Suzana Guimarães