Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



terça-feira, 18 de outubro de 2016

O universo, ele e eu.


Ele disse, "O universo natural é escuro e frio." 

Sim, escuro e frio, pensei, desliguei o carro e sorvi a imagem que se formou, então, respondi internamente...

é escuro e frio, mas há silêncio e luz; há som quando se passa por elas...

por elas, todas elas que você nem imagina, as estrelas...

de onde sai a mudez do verdadeiro silêncio, de onde não se ouve voz humana, pobre e triste voz, sozinha e sem par.



Por Suzana Guimarães

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Porque sempre haverá outono...



​As ruas frias, o sol quase fraco, as folhas quase ao chão.
Tudo é você.
O barulho que a máquina faz ao ligar, pela manhã, e o sino da igreja chamando para a missa.
As árvores mais apressadas, já nuas, me lembram você...
Tudo hoje cedo era você, insistente pincelada de cinza num chão desmaiado de histórias que nunca viveremos.



Suzana Guimarães​​

domingo, 9 de outubro de 2016

Um poema de Mário Quintana


"No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas

que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo

um carinho no momento preciso

o folhear de um livro de poemas

o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."



Mário Quintana

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O sentido da existência



(fotografia scg)


Pesou o passar daquelas horas. O relógio à frente, na parede, ajudava. Pesou o corpo que se entregou dobrado. Ficou assim, dobrada em dois, sentada na cadeira dura e inerte. Sentiu vazio enorme e um clarão: a existência é sem sentido enquanto se embala na certeza contrária... 

porque tudo acontece como que maestrado no final de tudo, mas no correr das horas parece vago e sem cor. 

​Podia ficar ali para sempre. Ou morrer ali daquilo tudo que era o nada a subir pelas pernas.

Curvada, olhou essa coisa alguma galgando dos dedos dos pés aos joelhos... nada fazia sentido, coisa alguma, gente nenhuma.

Foi então que neste desejo de morte, ouviu chamarem seu nome.



Suzana Guimarães


_ era 5 de julho.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Nota sobre comentários

Após anos, decidi reabrir a caixa de comentários. Contudo, agora, "os comentários passam por um sistema de moderação. Não serão aprovados os comentários:
- não relacionados ao tema do post;
- com pedidos de parceria;
- com propagandas (spam);
- com link para divulgar seu blog;
- com palavrões ou ofensas a pessoas e marcas;"
- com luzinhas e pequenos corações saltitantes porque pesam a página.

domingo, 18 de setembro de 2016

Sensação


Sensação de lavada, bem lavada, na beira do rio, batida na pedra; secada; passada à lá dona Anésia, sem vincos, pendurada e esticada no cabide com o primeiro botão, aquele próximo ao gogó, cuidadosamente lacrado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Sobre ele e eu.

(desconheço autoria da imagem)

Passávamos. Ele contemplava o rio; disse-me, "Porque ela está muito próxima, a Lua, então ele se enche todo. Quase transborda." Para mim, era apenas um rio, belíssimo, de águas grossas; 

Passávamos... Penso que mal vejo o mundo; só quase transbordo... porque ele passa e vai ao meu lado. E só ele, só ele me enche toda.


Com ele, morrerei Suzana.




Suzana Guimarães

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

"Para quase falta tudo." (RMS)

(arquivo pessoal de suzana guimarães)

sábado, 6 de agosto de 2016

Relato breve...

​Eu queria. E era comum querer... Desejava um tempo especial, quase antes do fim do dia, do início da noite, o morno que se dá quando o calor ameniza, deixa a terra e as águas do mar alcançam as areias; um tempo calmo, gentil para comigo e eu para com ele. Mas também desejei - era muito comum querer! - passos pesados socando a terra, trovões, raios, enxurradas... a desgraça, a destruição da calmaria. Eu queria...


(fotografia por Suzana Guimarães, via celular)


Sentada aqui onde estou, debaixo desta árvore, diante do mar, vendo as pessoas multiplicando-se em meus piscares de olhos... ouvindo o homem furando a terra, a britadeira quebrando as pedras, as vozes comentando... comentam sobre o barulho, mas para mim o cenário é o mais que perfeito porque nunca é o mesmo (lembre-se, as pessoas multiplicam-se aos meus olhos e se vão...) e eu cansei e o tempo que eu queria, não quero mais, só este. Estou parada, e se quero, quero apenas o fim da mesmice...

Já não posso mais, as mesmas imagens, o mesmo vocabulário, as recordações que se atravessam. 

Sei que é meio-dia e que o homem parou para almoçar (e faça o tempo que for, ele parará), o silêncio apoderou-se do lugar, e eu ainda aqui. Espero um ônibus, o motorista me perguntará (ele, mais tarde, perguntou), "Where are you going?", e eu, prontamente, "I do not know". Sigo nesse ônibus, olho as cenas e elas não se repetem...

O que cansou-me foi a repetição...​​
​ 


por Suzana Guimarães​

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Ah!


(foto: suzana guimarães)


Se eu soubesse, se você passasse, ah, se eu soubesse e você passasse. Se eu soubesse que você sabendo e eu também passasse... e se nós soubéssemos que passaríamos, eu passaria todo dia, eu saberia todo dia, e você saberia que eu passaria e também passaria, só para que eu soubesse.​

(suzana guimarães)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Aos cinquenta anos de idade



Aos cinquenta anos, a gente atira para matar. Não há mais rodeios e a necessidade apregoada é balela; nessa idade, sabemos muito bem como resolver as coisas; resolvendo. Não há necessidade, mas os atos são rápidos, sem premeditações infundadas. Demorou? A gente já se foi. Aos cinquenta anos, não há mais espaço para romantismos baratos e dramas. É tudo nu e cru. Ah, amo essas duas palavras! A gente tem fome e com certeza esperar o outro tomar alguma atitude é coisa impensada. É cru porque nos tornamos bruxos, adivinhões, e a conta de somar é a que mais sabemos. Um fato ou ato somado a outro é resultado sabido e esperado. Só os tolos, os tais românticos e dramáticos, erram ou subtraem, ou pior, dividem. Somos muito bons em multiplicar! Porém, predomina a tal necessidade que é falsa, pueril, enganosa, só para fazer charme, diversão. Aos cinquenta, a gente vai à fonte para beber água quando pairam dúvidas. Vai ao âmago da questão, vai aonde o cômodo diria para não ir, mas a gente vai. Fica aquela coisa remoendo dentro de nós, e fazer a verdade ser revelada fica fácil... a gente bebe a água, sorrindo.


Aos cinquenta, rir é mais fácil que chorar.


Suzana Guimarães

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Tenho Fome da Tua Boca

(Suzana Costa Guimarães)


"Tenho fome da tua boca, da tua voz, do teu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta, ...
busco no dia o som líquido dos teus pés.
Estou faminto do teu riso saltitante,
das tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das tuas unhas,
quero comer a tua pele como uma intacta amêndoa.
Quero comer o raio queimado na tua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das tuas pestanas
e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue."
 


Pablo Neruda


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Mayhem in the streets Romeo and Juliet Revised






High School English Project. Zero Budget! Street English!
It was done in so little time.
Good job, guys!

Trabalho escolar. Nenhum recurso. Tempo escasso. Muita boa vontade.
Inglês cheio de gírias porque foi exigido trocar uma cena de Romeu & Julieta do Inglês formal e antigo para os dias atuais.

sábado, 23 de abril de 2016

(...) Com o passar do tempo e eu nem sei explicar o motivo exato que me levou a isto, ou mesmo, os motivos; com o passar dos anos, e o Sol castigando minhas ideias neste deserto cruel - mas, florido -, esturricando minhas vísceras, meus pulmões já traumatizados; com o passar do tempo cegando meus olhos, eu acreditei que ele viria rei, rei calçando chinelas - sim, chinelas, daquelas que fazem barulho no chão plaf-plaf -, dentro de bermudas velhas e camisetas de propaganda. E então, eu passei a enxergar o mundo masculino assim, chinelas plaf-plaf. Nunca mais, nunca mais os ternos, as belas camisas, algum charme. E meus vestidos seriam para sempre a vírgula mal colocada.
Com o passar do tempo, mimetizei-me (...).

(Suzana Guimarães)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Um cílio de um milagre

por Suzana Guimarães 


Abriu-se um céu, um infinito de estrelas; perfeitas! Abriu em mim uma clareira onde ninguém até hoje havia habitado. Abriu-se um mar de cor que não posso descrever porque a clareira brilha tanto e fisga-me tanto que eu penso quão tolos foram todos os meus conceitos, meus desejos e quão frágil a vontade de penetrar cada vez mais em um paraíso... Porque nunca antes houve paraíso, nem vãos e cordilheiras na carne quase apagada de tanta e tanta falta de luz e desse clarão que diziam existir e eu nunca acreditei... Uma fonte jorrando qualquer coisa indescritível, uma vontade de estar ali para sempre, e quando chegar o último respiro que já nem importa mais, pedir um pouco mais mesmo ardendo, queimando, assim como o sol e a neve... porque realmente não importa...mais, mais, suba a rampa, galopa como nunca antes...já nada mais quero e posso esconder. Abriu-se em mim um mundo. 

Gastei palavras quando um único olhar poderia traduzir todas as línguas.


Suzana Guimarães

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Deus nos deu dois olhos porque sabia que não iríamos enxergar muito bem.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

No muro

No início, os empregados do manicômio retiravam a doida de cima do muro. Ela percorria todo o muro que circundava um dos pátios, descalça e de camisolão...

O que mais intrigava o diretor do referido hospital era ela não desejar nem o lado de dentro e nem o de fora. Nunca fugiu. Decidiu ele, então, deixá-la livre. Em cima do muro.

Histórias que ouvi do diretor.

                                                            Por SCG

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Mordeu o lábio e fixou-me... Eram olhos de imperador.

(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Meu Deus!

(por R. Meneghini - via celular)



Eu poderia dizer Meu Deus! E assim repetindo e exclamando, Meu Deus! E ultrapassar o espaço entre nós sussurrando Meu Deus...

Eu já estou a dizer Meu Deus! E já estou a dizer e a dispensar qualquer confusão...

Surge em meu rosto brisa breve, pequenas risadinhas...

E eu retomo e penso, Meu Deus!

Bate calmaria de um tempo antigo, toda a minha vida - juro, caminharia tudo assim novamente, assim, resoluta...

Só para de novo dizer, Meu Deus!




Suzana Guimarães

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Tempo?


Denso no corpo volátil na alma É assim que se define Quando o tempo perde sua falsa existência
Um dia, cem anos
Dois dias, cem anos...

Quantos mil anos em minutos?
Quanto tempo em segundos?
Quanto tempo se pode aguardar?
O que é aguardar?
É guardar?
Eu guardei?


Suzana Guimarães



domingo, 31 de janeiro de 2016

Vou dormir cedo porque amanhã está esperando-me.

(foto: SCG)

sábado, 30 de janeiro de 2016



(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)



Los Angeles, 30 de janeiro de 2016.



Querido,


Li, certa vez, que uma carta nos Estados Unidos demorou cerca de sessenta anos para ser entregue, mas um dia, ela chegou ao destinatário. Por isso, envio-lhe esta. 

Não, não estou esperando sua honrosa resposta. Certamente, daqui a sessenta anos, eu estarei em outra dimensão, pois meu caminho, eu já percorri a metade. Agradeço as chuvas de pedras, apesar de viver em um deserto. As pedras, nós já temos, a chuva, prefiro a que realmente água. 

Recebi suas fotos, de todas as suas últimas viagens. Assustei-me com a terceira pessoa que vi em todas elas e que se parece com você, mas não pode sê-lo. Antes, você sabe, eu via duas porque você ora se mostrava doce, ora se mostrava ausente, e eu não gostava dessa última. Eu não suporto ausências e notícias de pessoas desaparecidas. Sim, eu sei, preciso tratar-me disso! Aquele homem doce encantava-me... mas, agora, vejo um cara sem amor no olhar, sem delicadeza, um poema morto, papel picado e amassado... vejo um homem desconfiado, sim, a melhor palavra, melhor que "estranho". 

Quando a gente se encontrou naquele Café, eu falei que você estava "estranho" (perguntei se estava cansado e você alegou gripe), mas não fui feliz ao escolher a palavra, porque eu aprecio a estranheza, tenho vício nela; eu não gosto é do previsível. 

Onde você foi parar? Onde você está? 

Cadê você? Em suas fotos do passado, eu sempre via esperança em seus olhos, sonhos, caminhos, vontade de chegar próximo à alguma estrela, tocar alguma coisa que ainda nem havia sido criada... Hoje, vejo olhos levemente fechados, sem brilho, à espera de alguma tocaia... Em algumas fotografias, por estar ao lado das pessoas que ama, percebo a velha doçura, mas quem se deita em sua cama sozinho à noite é você, não é? A gente não pode ter os amados colados ao corpo, mesmo que sejam nossos anjos...

Descobri meio por acaso que você passou alguns anos tocando violão em bares, compondo letras muito lindas, esperando que alguma coisa o lançasse num golpe só a algum abismo... para que você sentisse o prazer de estar em qualquer lugar, menos em sua eterna zona de conforto.

Li essas músicas, entendi que a gente não retira com facilidade as digitais que os outros deixam em nossas almas. Eu, infelizmente, de nada soube, na época. Eu teria lhe dito que, dos seus noventa medos, um só poderia realmente vir a acontecer...

Foi então que tive pena dos poetas, e lembrei-me daquela frase, "Sou poeta e não aprendi a amar". Tive pena também do poema. Tive pena de você e também de mim, apesar de que eu não sou poeta e nem você. Apesar de que somos apenas duas pessoas que se encontraram em um tranquilo cruzeiro pelo oceano Pacífico e, em uma mesa de jogos, perdemos todo o nosso dinheiro e passamos então a nos odiar, colocando um a culpa no outro. Perdemos nosso tempo e até o juízo, bebemos tequila além da conta, nos jogamos nus na piscina do navio, fizemos muito sexo e fomos parar, presos, na cabine do comandante.
O resto ficou na ressaca...

Eu não fui cúmplice de nada! Você fez tudo o que fez, inclusive foi embora porque você já estava indo.

Essa carta é apenas para lhe dizer - pouco importando em que tempo chegará - que você não tem idade ainda para desistir e se tornar sócio de um restaurante de comidas vegetarianas. Você não deveria matar o artista, o poeta, o sonhador, o tocador de viola só porque a sua mulher morreu naquela curva mal feita que ela mesma fez na estrada. Você não teve culpa, nem no carro estava. Aqueles sonhos "assassinados" se foram, mas outros ainda podem surgir. 

Sou, sim, aquela mulher que você inventou, e, por ser invenção, fico na história, feito assombração. Mas, você eu não conheço mais, nem inventei. Desconheço-o totalmente.

Deixo-lhe essa carta, desejo-lhe uma mulher genuinamente feliz e úmida (e que saiba dirigir!), que lhe estenda a mão e lhe aponte caminhos. 

Mas, antes de tudo, desejo-lhe sua própria ressurreição.


Beijos, querido, beijos!

Lily


Por Suzana Guimarães

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

"A aventura tá pra frente, não pra trás, mano." Por Luís Meneghini.



"Ôh, mano, a vida sobe e desce, mas tu tem que ir reto, cara!" 
Luís Meneghini.

TRISTEZA

(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)


Entendo o segredo das portas que não se fechavam... Das águas frias, e de um corpo nervoso.

[sobre histórias que me contaram...]

Porque era morte anunciada ao cego.

Há o tempo de ser e ter e o do nada... o do tatear no escuro.

O sino badalou naquelas noites, mas ninguém ouviu, e, se viu, fez-se cegueira estúpida.




E ficam as carpideiras chorando os mortos. Encomendados.

Entendo serem bem melhores as portas fechadas, a água morna...

Valer-se dos despojos do morto de outrem é desconsolo.

Melhor lutar para fechá-las...

Não se vela bem morto alheio!

O melhor morto é aquele que é nosso, que a nós foi conhecido.

Para o morto dos outros só temos as lágrimas dos nossos...

E são essas que escorrem.


[sobre histórias que não deveriam ter me contado.]



Suzana Guimarães

Um poema de Alberto Caeiro




"Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído."


Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Os pássaros



Dois belos pássaros. Idênticos. A varanda parece estremecer. 
Os dois se pegam. Os dois se pegam. Os dois se pegam.

Os dois se pegam porque estão em gaiolas separadas.

Os dois se pegam porque não podem fazer sexo.


Suzana Guimarães​

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

a vida que se foi...




... é inverno no norte. Aquelas árvores vermelhas e amarelas que vimos permanecem, mas são outras.

Feias, sem charme. Secas. A cor da vida que se foi...

Assim como você que também se foi.

Deve ter morrido em alguma noite em que eu dormia, alheia

Deve ter morrido vagarosamente, puxando leves sopros de ar.

A boca movendo-se lentamente, e eu pergunto-me, havia ainda o eco da minha voz, chamando-lhe para a vida?

Eu dormia, mas sempre foi essa a melhor forma do encontro por ser a menos triste, porque é livre

As árvores parecem outras, mas são as mesmas, mas nada mais me dizem - embora eu ainda olhe para elas...

Embora eu pense em ressurreições.

Embora eu tenha perdido a noite de todas as suas agonias

É que eu também tinha as minhas.



Suzana Guimarães



domingo, 24 de janeiro de 2016

Já visto

(Suzana Guimarães - 2008)


Quando encontraram-se pela primeira vez, por questão profissional, ela disse:
- Parece que eu já o conheço, mas tenho certeza que não.
Ele replicou no ato:
- Sim! Quando bati o olho em você, senti que a conhecia.

E não viveram juntos felizes para sempre.
Mas, até hoje se falam.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Meias sete oitavos e as coisas simples



​Calçou meias pretas grossas sete oitavos e botas também negras, enrolou-se num cachecol lã de ovelha. Ficou nua enquanto caminhava para escancarar as janelas e deixar o vento entrar. Reacendeu a antiga vela cor de carne, antes, assoprou para levantar a poeira. Esperou ele se banhar, fazer a barba e passar algum perfume enquanto pensava em álgebra. Bastou um psiu dela e um convite simples. Bastou um leve abrir de asas, enquanto ele, distraído, pensava em troca de óleo.

A vida é muito simples!​


​Suzana Guimarães​

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O voo de janeiro (#10)


Foram vários os voos...

E, de todos, o melhor foi o da grande cegueira, quando deixei o sul.
O norte é seco, o norte é frio e cinza...
Mas, nele, ser cego é apenas um detalhe. E bobo. Tolo detalhe.

Há liberdade por entre as nuvens, há sossego...

Vai ver, nunca fui mesmo um pássaro tropical.


Suzana Guimarães


foto por Suzana Guimarães

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Que pena, sou um pássaro! (#9)




Que pena, sou um pássaro!

Por ser pássaro, não posso falar, apesar do bico que pode lhe bicar.
Dia cinza, todo para mim, para o meu à toa (e eu irei cagar em cima do poema)

Porque pássaros cagam.

Só para sujar este teu cabelo engomado, esta roupa alva de branca e este passo fingidamente certo.

(E eu cago em cima desse poema)

Pena não poder alcançá-lo para poder também bicá-lo, homem mentiroso!


Tu sabes ler e escrever?


Pois, desamancha e apaga. Desmancha e apaga até você perceber que mentira é coisa feia! Homem que não se endireita! Ah, daria dez voos só para dar um rasante em sua cabeça oca e assustar suas noites leves... daria dez voos para rir de você e dizer-lhe que a mentira tem que ser muito boa para eu acreditar...

mas, pássaros não falam. Só cagam.


Suzana Guimarães

Apenas pássaro, mas inteiro (#8)


Pássaro nascido de uma promessa, de um sopro de vento que prometia o abismo, o mais alto dos montes, a mais frágil das pontes, o mais profundo dos mistérios...

o coração no peito, satisfeito.​

Nada, nada, nada neste mundo possui força capaz de desviar a rota...

Eu cairei sim, de ponta-cabeça, através, em direção...

O secreto cairá aos meus pés, rendido.


Suzana Guimarães

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Toda a passarada sabe e você? (#7)

(Arquivo pessoal de Suzana Guimarães)



Os homens todos deveriam saber
Toda a passarada sabe
Até o pó do asfalto sabe.

Nada neste mundo sairá do lugar para se refazer.
Nenhum percurso será mais o mesmo e isso é para sempre, mesmo que reste a lição
Só homens colecionam experiências... Oh, lástima!

O pó desprezível e desprezado do asfalto que foi pisado sabe.
E você, homem? Não sabe?

Toda a passarinhada sabe
Nem ela tem os céus repetidos
Nem ela
Nem os céus.

Muito menos o inferno!
(Que fica, por ser inferno, lhe comendo).


Suzana Guimarães

domingo, 17 de janeiro de 2016

"(...) Pouso muito pouco, somente o necessário para parecer deste mundo." (série PÁSSAROS # 6)



(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)



E me olhou com cara de desejo sério...

Deixou-se ser olhado dos pés à cabeça; passando pelos braços, na camisa manga longa azul claro, de listras finas... Mãos muito brancas. Andou de forma lenta, para ser olhado, frente e costas. Deixou ser percorrido e eu me deixei percorrer, sem tumulto, assalto e pudores. Meus olhos o devoraram e ele viu... Embora exausta do deserto.

Rosto em ângulo, cor e traços perfeitos para mim. Talvez o mesmo para ele.  

Havia alguma coisa de sabemos para onde queremos ir. O traço final de um esboço bem acabado.

Já era tarde e eu já era só cansaço quando, ao partir, voltei meus olhos pela última vez, e o vi, esperando que eu assim fizesse, voltasse os olhos, o corpo e novamente o reconhecesse. E, ele, lá, encostado à parede, olhou-me com cara de desejo sério. Amém.


Suzana Guimarães


Nota: SOBRE POUSOS dedico a Italo Morelli.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Apenas pássaro (#5)

(Arquivo pessoal de Suzana Guimarães)


Apenas pássaro, apenas pássaro...

Nas mãos do homem, um viveiro.

Homem, fala, fala suas palavras amargas



Conta

Mostra

Quero ver suas mãos. Agora, vazias.



(Todas as histórias um dia se explicam...


Porque são dos homens)



Todos os voos são invejados

Porque

eternizados no ato e para poucos...

Que são apenas pássaros.



Suzana Guimarães

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Porque sou pássaro (#4)




(por Suzana Guimarães)


Pousado num fio de luz, sinto o mundo.


Ouço voz! Uma criança faz soar festivamente: "Veja, veja, há um pássaro dentro de mim!".


Porque sou pássaro, sei. Porque sou cego, não posso ver...


Mas,


Reconheço sua língua sibilante...
Desconheço somente a língua dos homens: fraudulenta, farta, faca cega que sabe o que corta e o faz sarcasticamente.


O fio tremula, alço voo


Levo comigo esse menino.




Suzana Guimarães

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Porque não são pássaros! (#3)

(fotografia por Suzana Guimarães)


Muitos sacodem seus guarda-chuvas antes de fechá-los...

Porque não são pássaros.

Sacudo minhas penas após as águas... Porque tenho pena. Tenho pena. Tenho pena.




Os homens são tristes.




Suzana Guimarães

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Porque não são pássaros! E eu sou. ​(#2​)





Tempo?


Claro que de tudo sei
Tempo, tempo, tempo...
água que molha, sol que seca, vento que leva


Tempo:


até a migalha virar pó
até a pedra virar pó?
até meu bico ficar mais forte!


Oras, eu sei tudo sobre tempo...


E cá estou
Só para reverberar alguns sons
Só para sobre


voar.



Porque eu sou pássaro!



Mal sabem quantos serão meus voos...
e dizem que sabem contar...
ah, ah, ah!




Suzana Guimarães

Porque não são pássaros! (#1)


(Fotografia gentilmente cedida por Daniela Ferreira)


Sou um pássaro cego que gosta do voo, 
apesar de preservar o ninho. 
Pouso muito pouco, somente o necessário para parecer deste mundo. 


Poucas pessoas gostam disso... 


Sou um pássaro cego que gosta do voo noturno ou de quando começa a se fazer noite
Gosto de sentir através - unicamente através - das minhas próprias asas...
e do vento que bate e do silêncio que canta...


Só os cegos sabem disso...


Meu ritmo, porém, é alucinógeno...


Poucas pessoas gostam disso... alucinadamente eu saboreio o nada, sinto ferver em mim todas as coisas passadas, presentes e futuras...
sinto as ondas quentes e frias
sinto o verdadeiro gozo


Porque, na cegueira, vejo todo o fundo. 
Poucas pessoas gostam disso. Porque não são pássaros!


Suzana Guimarães



domingo, 10 de janeiro de 2016

Ó, Deus!



(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)


Percebo a forma pejorativa de alguns ao comentar sobre o calor do amor como sendo algo adolescente... 

Ó Deus, que eu viva cem anos se assim o senhor desejar, 

mas que eu seja para sempre adolescente 

na hora em que a brasa arder!


(Suzana Guimarães)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016



(por Viviane Barroso)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

"All those moments will be lost in time, like tears in rain."(Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva).




"Momentos antes de morrer, o replicante Roy Batty (no filme Blade Runner) disse a Deckard enquanto chovia: All those moments will be lost in time, like tears in rain (Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva)."



A importância tem tanta importância quanto as lágrimas na chuva...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

So...

(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)


So, I will keep walking with my angel... Like I always have since he came to me. And then I stuck to him. In reality, he is just as human as I am. In reality, he is just as strong and weak as I am. The secret was finding him...but he uncovered like an angel and found me. When he arrived I though I had lost him, but he simply is still in my life. Angels are forever.

P.S.: I wrote in English to you...

(Suzana Guimarães)